Lama, Viva Mariana!

NOTA DO GRUPO DE PESQUISA PODER POLÍTICO, EDUCAÇÃO, LUTAS SOCIAIS (GPEL/FE-USP) SOBRE O ROMPIMENTO DA BARRAGEM DO FUNDÃO (MG) EM 05/11/15 DE RESPONSABILIDADE DA EMPRESA SAMARCO.

Não é de hoje que estudiosos das Ciências Sociais discutem o quanto o poder político está atrelado ao poderio econômico, na conformação da economia global. Em sua tese de doutorado, Lúcia Bruno (1991) recorre às criações, a partir da década de 30, de comissariados, conselhos e comitivas compostas principalmente por stakeholders de grandes companhias transnacionais, que na prática deliberam e se imiscuem no Estado Nacional, a fim de garantir seus interesses, para além da mera noção de representatividade ilusória trazida pela voto. Isso significa, basicamente, que não importa o candidato que for eleito, pois seu espaço de manobra está cerceado por órgãos consultivos / deliberativos que são mecanismos do capital, ainda que não tenham recebido a chancela da população para exercerem esse poder. É o que foi chamado de Estado Amplo por João Bernardo, englobando os “representantes” do povo e os gestores do capital a definir os rumos da sociedade humana.

O caso da Samarco é paradigmático, nesse sentido. Iniciando suas operações no fim da década de 70, aproveitando-se do clima amigável da ditadura cívico-militar para com empresas de mineração e extrativistas em geral, com arrocho salarial e leis ambientais pífias, instalou-se na região central de Minas Gerais e construiu um mineroduto para escoar sua produção pelo porto de Ubu, no Espírito Santo. Além de extrair minério das jazidas, a Samarco e outras mineradoras também precisam da água da região para empurrar a produção pelos dutos. O chamado rejeito, portanto, é uma mistura de água com elementos químicos pesados, que impedem qualquer desenvolvimento biológico e, segundo o próprio presidente da Samarco, ficarão para sempre no ecossistema da região.

Interessante notar o apoio da população local à Samarco. O medo de que ela encerre suas operações, e deixe as pessoas desempregadas, é um sintoma de bolsão de pobreza. A materialidade da pobreza se fez sentir graças aos processos de expropriação de terras, da divisão e especialização do trabalho, da presença do Estado garantindo os interesses de uma empresa extrativista, e agora eles não têm nada em que se apoiar que não seja se render ao “desenvolvimento” trazido por ela. Ainda que ela tire a água, a montanha e polua tudo ao seu redor, os habitantes a veêm como a única fonte segura de rendimentos. Nessa situação, fica patente que o avanço ocidental não deixa opções, não permite escolhas. É uma via de mão única.

Minas Gerais é um estado que, nas últimas décadas, têm visto se intensificar a atividade mineradora. Os royalties dessa produção são fundamentais para o aparelho burocrático estatal, e com isso age frouxamente na fiscalização e nas punições que eventualmente deveriam ser dadas em casos de negligência ou falhas. A questão se complica quando nos deparamos com o rol de doações às campanhas eleitorais e a “festa da democracia”, bancada pelas grandes empresas para a sobrevivência do Estado. Vazamentos de resíduos químicos, petróleo, gás, são constantes no Brasil. O rompimento de uma barragem tem implicações ambientais desastrosas, mas é o sintoma mais agudo da relação promíscua entre Estado e Capital em um país cujo autoritarismo e incompetência grassam na vida institucional.

O poder político não advém apenas do Estado. De fato, há uma discussão importante na Antropologia Política que mostra os elementos constituintes de uma rede de atores que, atuando em esferas distintas, mantém interlocução para manter seus interesses e sustentar, principalmente através do Terror, a opressão organizada do Estado.Para uma discussão sobre a relação entre Estado e capital, ou poder político e poder econômico, sugerimos alguns autores muito profícuos e criativos, como Pierre Clastres, David Graeber, Godelier, Sahlins, Viveiros de Castro, entre outros, que vêm atualizando o debate em torno da constituição e imanência do político à disciplina, alertando para a amplitude com que ele é exercido nos contextos de Estado-Nação.

Foto: Douglas MAGNO / AFP

Foto: Douglas MAGNO / AFP

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